Skip to main content

Sinodalidade, missão e clericalismo

490/500

“Pelo advento deste Reino na história das pessoas, nos colocamos ao lado delas a caminho, para tornarmos, todos juntos, pessoas livres, que promovem a justiça e a paz, na espera operante que Deus seja tudo em todos” (C 8).  

“Sinodalidade e missão” é um assunto intrigante porque de um lado parece nos fascinar e nos convocar para uma importante reflexão e conversão; por outro, causa certo embaraço porque nos acostumamos a imaginar a igreja dentro de padrões institucionais pouco democráticos, e a missão dentro dos esquemas pragmáticos da velha cristandade.

Democracia, participação, diálogo, itinerança são ainda assuntos meio tabus numa igreja que quer caminhar junto aos povos, mas que ainda se propõe como instituição monárquica, absoluta, universal e patriarcal. No entanto, sinodalidade aponta inequivocavelmente para uma igreja de iguais, circular, plural, que respeita e reconhece as diferenças nesse “caminhar juntos” no seguimento de Jesus, que não abafa mas estimula as minorias proféticas em seu seio, ao mesmo tempo que busca um consenso entre todos sobre os rumos a tomar, para que sua presença no mundo seja verdadeiramente sinal e sacramento do Reino de Deus.

Sinodalidade aponta, portanto, para uma missão feita em conjunto, articulada e partilhada, onde o protagonismo de generosos agentes consagrados e consagradas se dissolve na sinergia de uma rede eclesial, onde cada um colabora essencialmente com a ação de Deus no meio dos povos, e todos juntos em um mutirão de relações renovadas, dialógicas e decoloniais, promovendo humanização, reconciliação e libertação integral. Neste sentido, a sinodalidade alude a uma reconfiguração decidida e qualitativa da igreja, como também de seus ministérios e serviços, numa desejável simetria entre todos os membros do Povo de Deus. Nossa impressão, porém, é que essa sinodalidade não despertou um grande interesse. Parece necessário um exercício de muita articulação e um longo processo de interação.

Uma igreja missionária e sinodal implica um alto nível de maturidade e comprometimento, entrega e despojamento, firmeza na fé e ousadia na esperança: caridade criativa acima de tudo. Sem dúvida, os tempos de individualismo competitivo em que estamos mergulhados, não ajudam. Posturas introvertidas, conformistas e antissociais provocam isolamento doentio, acomodação, polarização, alienação da realidade e aversão aos outros, o que não contribui em nada a criar engajamentos solidários e laços comunitários. Também, somos herdeiros e herdeiras de uma igreja que vem de uma milenária tradição clericalista, autoritária e misógina, na qual o bispo/padre/varão manda e o povo obedece.

O clericalismo, antes de representar uma instância corporativa, se configura como um arquétipo profundamente enraizado na autoconsciência eclesial, em todos os membros do Povo de Deus.  O clericalismo é atualmente a maior praga que corrompe e alimenta o narcisismo e a paralisia eclesial. Fundamentado numa concepção essencialista, espiritualizada e hierarcológica de igreja, representa o núcleo central de todos os entraves institucionais, aquela fundamental “estrutura caduca” que não favorece a transmissão da fé (DAp 365) e que constitui a principal instância que se opõe à sinodalidade. Também o mundo missionário parece custar a dar passos decididos nesse quesito. Em geral, os membros das congregações missionárias são bastantes imunes às frivolidades clericais à vista, apesar de exceções sempre mais frequentes. 

Contudo, diversos aspectos permanecem, constituindo um problema pouco percebido em sua gravidade. Com efeito, a maioria dos membros dos institutos missionários são presbíteros e sua formação é direcionada exclusivamente para isso. Há pouquíssimo espaço para outro tipo de opção e nem se incentiva uma animação vocacional para consagrados médicos, operadores sociais, pesquisadores, antropólogos, artistas, teólogos etc. Ao contrário dos albores da epopeia missionária moderna na qual havia de fato certa formação interdisciplinar, hoje a missão sai de um processo seminarístico exclusivamente clerical, a ponto que os quadros das agências missionárias se reduzem ao trabalho pastoral-sacramental de comunidades já constituídas. Tudo isso sem contar com todos os vícios que acarreta a adesão a esse tipo de ofício de áurea sacral. Há uma entrega à missão e uma ao ministério ordenado que precisam ser ajustadas.

Se o Papa Francisco baixasse hoje um decreto para os missionários exercer o ministério somente em sua própria comunidade religiosa, ou excepcionalmente nas comunidades cristãs pobres e longínquas que se caracterizam como “missões”, deixando as comunidades constituídas aos ministros locais, tanto homens como mulheres, provavelmente teríamos um significativo êxodo ou uma preocupante crise dos efetivos já escassos dos institutos missionários. O tema da sinodalidade aponta também para esse tipo de encaminhamento, hipotético por enquanto, mas procedente em vista de uma igreja missionária sinodal. Acreditamos oportuno tomarmos a sério essa perspectiva, para dispormos a ser conduzidos e conduzidas, aos poucos, a uma profunda renovação.

CEMLA
26 June 2022
490 Views
Available in
Tags

Link &
Download

Area reserved for the Xaverian Family.
Access here with your username and password to view and download the reserved files.